domingo, 13 de abril de 2008

but, oh! Medusa...


Obrigado por esta experiência amarga; o ser deixado por tudo o que outrora me protegera, ser atirado a meio caminho, por minha conta e risco. No fundo, penso que valeu a pena ter sido abandonado assim. Endurece uma pessoa, não é? Nunca soube quem disse que o total abandono por parte daqueles que amamos nos torna mais fortes – mas estou naquele ponto em que ou me decido e acredito nessa premissa, ou então fico na mesma e deixo-me arrastar como aqueles pedaços de madeira apodrecida à deriva nos rios. O que aconteceu ao amor? Aquele ardor, paixão, resume-se, no final de tudo, a esta amargura espelhada em tudo o que me rodeia agora? O amor. Ainda me lembro como me fazias escrever letras lamechas de canções em tudo o que era pedacinho de papel e, à noite, ficar embasbacado a olhar para o céu limpo e a sair de dentro de mim, deixar-me voar e tocar as estrelas. Mas o planeta mais brilhante de todos não se encontrava ao meu alcance. Aparentemente. O que aconteceu ao amor? Portanto, nada me resta senão resignar-me a esta rotina de nadas, aos clichés e estereótipos que se cruzam comigo todos os dias, sentir-me vazio por dentro mas aceitar tudo com um sorriso. O abandono endurece-nos. Deixar-me levar pelos amores rebeldes e fugazes que não são de confiança com as suas verdades transparentes, promessas efémeras, que percorrem corpo após corpo, como vampiros sedentos de sexo e mentiras.


Penso que nunca irei saber. Nunca irei saber aquilo que mostraste a outros olhos que não os meus. Que os meus nunca viram e nunca hão-de ver, porque sempre reservaste aquela tua parte de ti aos outros. Portanto vai. Abandona-me, deixa-me. Vai. Ou surpreende-me, de uma vez por todas. Prova que estou errado. Agora. Ou então diz-me que foste responsável pela minha ilusão, que me alimentaste os sonhos e as esperanças, que não foste mais que uma miragem. Vai. Fica. Põe-me à prova.


O nada está aqui. A confusão. O vazio. Sentir-me um corpo inerte que respira por simplesmente ter de ser, que perdeu aquele que o orientava. Caí bem lá do alto, para além dos arco-íris. Sinto, à minha volta, um cheiro adocicado, que quase me transporta a lugares que neste momento quero esquecer que alguma vez existiram. Para além do arco-íris. Por favor. Beija-me e crucifica esta noção profana que tenho agora dos poderes míticos do amor. E tu, tu olha nos olhos dela e esquece-te daqueles que deixaste para trás a lidar com a solidão e o ressentimento. Olha bem fundo. Esquece-te dos que estão neste momento a chorar por ti. Vai. Ou volta e surpreende-me. Testa-me. Ou desaparece de dentro de mim para sempre.


Obrigada por esta experiência amarga. Valeu a pena ter sido abandonado, torna-nos mais fortes.


Mas.


O que aconteceu ao amor?

(a partir de 'Go or Go Ahead', Rufus Wainwright)

sábado, 19 de janeiro de 2008

let's not shit ourselves!

O amor foi um conceito inventado por um senhor emocionalmente deficiente num delírio de parvoíce, ao qual as pessoas se agarraram durante séculos. Foi derramado sangue, foram vertidas lágrimas, trocadas cartas, viradas as páginas. Foram épocas gloriosas com testemunhos de verdadeira paixão, de verdadeiro desejo, de um romantismo exacerbado em que a vida sem o outro era impensável, de duelos, de ilusões, de cartas escondidas nos decotes ou nas pregas dos regaços. Foram épocas em que o amor era simples, em que esse tal conceito mirabolante até parecia ter algum significado. Era o inominável, o sentimento que os fazia esquecer quem eram e perder todo o sentido da razão. Era simples porque havia menos escolha. Era simples porque era difícil, mas fazia sentido, era real. Hoje, parece que já ninguém se apaixona de verdade. Parece antes que andam cegos em busca desse antigo ideal de paixão que se perdeu em páginas de romances que já ninguém lê. Idealizam esse amor, fingem vivê-lo – mas não o vivem. E quem realmente o viveu, prefere nunca ter sentido aquela pontada no peito, naquela noite, naquele momento.


O amor actual é um amor mecanizado. O tal romance moderno, em que a palavra “compromisso” parece ser proibida e onde reinam a promiscuidade e as falsas esperanças. O sexo obceca, o sexo cega e o sexo confunde. Confunde-se atracção física com outro tipo de atracção, o ser humano fica baralhado, não sabe o que fazer, acobarda-se e foge. Não há lugar para um amor como deve ser numa sociedade livre como a dos dias de hoje, regida pelas regras insalubres da rotina, da pressa e do trabalho. Não há tempo. A vida às vezes mata o amor. A “vidinha” é uma convivência assassina. Por isso vai-se buscar aqui, vai-se buscar ali, magoa-se quem se tiver que magoar desde que o objectivo seja cumprido – quanto mais, melhor.


Eu odeio o romance moderno. Sou vítima do romance moderno. As pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque é um abraço ao final do dia, uma festa no cabelo e um corpo quente a dormir ao lado. Invejo, sem vergonha nenhuma, todos aqueles que conseguiram ultrapassar essa barreira do conveniente e conseguem amar e viver essa paixão como se cada dia fosse o último, nunca se cansando, atingindo uma sintonia perfeita de gostos, hábitos. E cada vez acredito menos que isso realmente exista. Está tudo cada vez mais catalogado, cada vez se questionam mais os porquês, cada vez se analisam mais os antes, os depois, e os ses. O amor não é para ser analisado. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. É o que é. É um estado de quem se sente. O inominável, o imenso. Catalogá-lo apenas lhe tira dimensão e sentido.


Já tentei fugir aos parâmetros amorosos desta sociedade desapaixonada. Já abri os braços, já passei pelos altos e baixos, pela insegurança, pela esperança, pelo vazio insistente dentro do peito, pelas dores de cabeça, pelas lágrimas, por aquele medo que parece que nos incapacita os membros (e o cérebro), do comover-me com anúncios de detergentes de lavar roupa, de passar horas ao telefone só para sentir que o outro está lá, de mentir a mim própria em benefício do outro, de viver pelo outro, sentir pelo outro, pensar pelo outro. Esqueci-me de mim, da minha vida, dos meus objectivos, tudo em nome desse sentimento incapacitante. A esperança é uma faca de dois gumes. Tão depressa nos põe alegres, nos faz sonhar, como no minuto seguinte nos transporta a sítios horríveis onde os nossos piores medos se concretizam. Só conseguimos pensar no que pode vir a acontecer se tudo acaba por correr mal, e quando, por fim, as coisas correm mal parece que tudo se desfigura à nossa volta. As pessoas perdem os seus rostos, as horas passam cada vez mais devagar, os cheiros tornam-se mais intensos, as memórias insistem em voltar para nos tornar pequeninos, pequeninos. Odiamos a situação, mas não queremos sair dela, porque sair dela implica tentarmos esquecer aqueles dias escassos em que fomos felizes com outra pessoa. E no fim? No fim tornamo-nos cépticos. Amargos. Deixamos de acreditar que esse amor imenso realmente exista. Passamos a vê-lo como uma actividade solitária, não correspondida, impossível de ser partilhada, porque estamos todos demasiado enamorados do nosso próprio umbigo, ou demasiado dominados pelo nosso medo.


Ainda quero acreditar no tal conceito disparatado de amor. Mas torna-se muito difícil, particularmente quando à nossa volta o romance moderno parece querer instalar-se e compromisso torna-se quase tão temido como casamento. Fico feliz pelos que pensam vivê-lo, que o aproveitem. Mas, por estes cantos, o amor fechou a loja por tempo indeterminado.

Há algumas citações do MEC pelo meio, mas escrevi isto em Setembro, julgo eu, e já não me consigo lembrar o que é o quê. Isto foi escrito em plena ressaca de R.